segunda-feira, 7 de maio de 2012

HELIODORO BALBI

           Discurso pronunciado pelo dr. José Lopes de Aguiar, vice-governador do Acre na Administração Hugo Carneiro, por ocasião da chegada dos restos mortais  de Heliodoro Balbi, a 25 de fevereiro de 1928, que foram acompanhados por aquele causídico no seu trajeto de Rio Branco até Manaus.
Senhores amazonenses:
Ao pisar o solo hospitaleiro e bendito banhado pelo majestoso rio-mar, a terra das imensas solidões florestais, que tão bem inspiraram essas páginas luminosas do “Na planície Amazônica”, de Raimundo Morais, eu vos saúdo efusivamente, meus ilustres patrícios de aquém da Linha Cunha Gomes.
Venho de bem longe. Venho da terra da borracha, daquele rincão da pátria brasileira, que a coragem indômita de Plácido de Castro e a diplomacia de Rio Branco integraram ao patrimônio nacional.
Emissário do Governo do Acre, aqui me traz a honrosa missão de vos entregar os despojos terrenos de um filho dileto deste Estado, daquele que em vida se chamou Heliodoro de Lima Balbi.
Para satisfazer os justos anelos do povo generoso, altivo e nobre desta terra de gloriosas tradições, S. Excia. o Sr. Dr. Hugo Carneiro, eminente    governador do Acre e de vós conhecido, porque pelo poder executivo municipal desta formosa e culta cidade passou, deixando honrosa reputação de probidade, trabalho e energia, determinou a exumação dos ossos de Heliodoro Balbi, sepultando no cemitério da cidade de Rio Branco, onde, vitimado pela epidemia da gripe espanhola, faleceu a 26 de novembro de 1918. Este ato se realizou solenemente na manhã de 24 de janeiro, data gloriosa que recorda o término da revolução libertadora do Acre.
Senhores: eu conheci, pessoalmente, Heliodoro Balbi, em Rio Branco, para onde os revezes políticos do seu Estado natal o atiraram. Conhecí-o, quando já uma perene sombra de tristeza lhe escurecia a fisionomia. Muitas e muitas vezes tivemos de trocar idéias em torno de assuntos vários, sobretudo de casos concretos que se debatiam no fôro judiciário daquela cidade, onde depois de haver chegado, foi aniquilado pelo infortúnio da morte de sua querida esposa, que aqui deixara.
Tocante, senhores, foi a cerimônia da exumação dos ossos do vosso saudoso irmão. Imponente foi o cortejo da urna mortuária, que lhe conduzia os despojos, desde a necrópole municipal até a matriz de São Sebastião e daí até o edifício do grupo escolar “7 de Setembro”, onde aguardou o dia do embarque para esta formosa princesa do Rio Negro, onde vem repousar para todo o sempre.
Com efeito, no dia 13 do mês cadente, embarcava no porto do Rio Branco a urna funerária, á frente de cuja procissão cívica se encontra o chefe do governo daquele Território. A navegação que o conduzia se deslizava mansamente pela superfície das águas, aqui serenas, ali crispada pelo sopro dos ventos, mas, sem perigo, Deus a trouxe a salvo a esta enseada amiga.
Não menos tocante é esta solenidade; não menos importante é o cortejo luzido da vossa grandiosa recepção, tão em chocante contraste com a palavra mal segura do mensageiro desconhecido.
Aqui nesta multidão, onde se distingue a pessoa ilustre do representante do Sr. Presidente do Estado, vejo representantes de todas as classes sociais, desde os altos poderes constitucionais do Estado até o simples operário; desde a fina intelectualidade até o estudante de primeiras letras.
O quadro vivo que se debuxa a meus olhos me impressiona e profundamente me comove.
Quer isto dizer, senhores, que os restos mortais, que acompanha até vós o são de um homem que vos pertencia a todos. Subia aos paramos dourados das letras; mas sabia descer e sofrer como o fraco oprimido!
Quem foi ele?
Vós que o digais, porque melhor que eu bem o sabeis.
Foi um literato, um jornalista, um orador, um professor, um filósofo, um poeta, amigo de sua terra, um grande sofredor!
A sua psicologia está lidimamente pincelada naquelas páginas cintilantes do verso distinto intelectual, Péricles de Morais, no seu precioso livro – FIGURAS & SENSAÇÕES.
Era versado no vernáculo, cujas roupagens vistosas tão bem lhe vestiam a idéia. Na contextura da frase elegante e castiça do literato ressaltava a grandeza do pensamento do filósofo.
Político e advogado da causa pública ele simbolizava a fé no ideal republicano, como um indefeso apóstolo do direito, da verdade e da justiça.
Lidador estrênuo, defendeu as liberdades públicas e os lídimos princípios da democracia, ao lado dos fulgurantes espíritos de Adriano Jorge e Araújo Filho e outros, constituindo admirável síntese de um apostolado cívico.
Orador e polemista de fôlego, sua palavra inflamada tinha o poder de levantar as turbas, de transfigurar o auditório, produzindo deslumbramentos como si foram lampejos de relâmpagos do Sinai.
Mas para que eu dizer o que melhor sabeis?
Vós, senhores amazonenses, é que tendes autoridade para dizer o que ele foi, porque aqui, nesta culta cidade, hoje governada pelo espírito brilhante de Araújo Lima, foi que se travaram as pelejas mais renhidas daquele talento peregrino, daquela inteligência de escol.
Vós, senhores da Academia de Letras, cuja vaga por ele deixada e que foi brilhantemente preenchida por essa robusta ilustração, que é Manuel José Ribeiro da Cunha, com aquela notável peça oratória com que tomou assento no douta cadeira de – Tito Lívio de Castro -, vós, repito, é que podeis com fulgurações de talento dizer da vida, da mentalidade forte, do gênio verbal daquele, cujos ossos eu vos restituo em nome do Governo do Território do Acre.
Vós, mestre e discípulos do Ginásio Amazonense, em cujo corpo docente era luzeiro, bem sabeis da erudição do mestre que se foi e que vivendo na nossa saudade.
Vós, senhores das classes proletárias, das classes conservadoras e trabalhistas, vinde derramar sobre esta urna os vossos olhares marejados de lágrimas sentidas, da expressão dolente de uma saudade infinda, de uma gratidão eterna.
Vós, políticos e jornalistas desta terra glorificada pelo martírio e grande pelas riquezas naturais de seu solo, não vos esquecestes ainda do vosso companheiro de lutas, que aqui está inanimado.
Sim, ele morreu!
A morte é o melhor bem da vida, disse o padre Antonio Vieira.
Nesse, transito do berço ao túmulo, ele teve glórias e triunfos, mas teve também amargas decepções.
Ele passou, é verdade, mas na sua passagem deixou uma inextinguível esteira de luz.
 Passou, mas o seu pensamento.
O mavioso poeta de Iracema, fechando o encantador poema que decantou a figura lendária de uma mulher que “tinha os cabelos negros que a asa da graúna e mais longo que o talhe da palmeira” avançou esta proposição conceituosa.
“Tudo passa sobre a terra”.
Em contraposição, afirmou o genial autor da “Trindade do Mundo”, dr. Farias Brito, o maior filósofo brasileiro:
“Nem tudo passa. O pensamento humano não passa”.
Assim, senhores, o pensamento de Heliodoro Balbi não passou.
Senhores: o Acre está presente ás homenagens com que, denotando a vossa alta cultura cívica, recebeis os restos mortais do vosso irmão.
E o Acre está presente não só pela palavra do humilde representante do governo, senão ainda, e mais eloquentemente, pela sua bandeira, que vêdes envolvendo num largo abraço a urna do morto querido.
O Acre vos acompanha em todas essas manifestações que tributais á memória inolvidável do filho ilustre que viu o berço nestas florestas e á sombra benfazeja das mesma florestas vem dormir para sempre, sentindo mais perto a admiração dos seus irmãos e mais quentes as lágrimas dos queridos filhos que aqui estão.
Senhor Prefeito: mais eloquente do que as minhas palavras é esta homenagem de que sou portador e que por deliberação do governo do Acre, a Municipalidade de Rio Branco me manda vos entregue com os ossos de Heliodoro Balbi, que aqui tendes todos vós para o vosso culto cívico, para o vosso amor mais vivo, para a vossa saudade mais cruciante.

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