domingo, 27 de novembro de 2011

SENHOR DEUS DOS DESGRAÇADOS

Carlos Costa é jornalista e escritor
 Padre Antônio Vieira, religioso, escritor e orador nascido em 1608 em Portugal e falecido aos 89 anos, em Salvador, Bahia,  em um de seus memoráveis discursos, bradou do púlpito: “Senhor Deus dos degraçados, por que dormes enquanto muitos  filhos teus sofrem?

Faço dessa súplica de Vieira, a minha também:  senhor Deus dos desgraçados, porque o ex-mecânico Marcos Mariano, cego dos dois olhos,  teve que falecer, após provar sua inocência, dormindo o sono dos justos e com sua consciência tranquíla? Ele passou 19 anos lutando na Justiça dos homens para conseguir provar sua inocência!  A Justiça dos Homens é célere para condenar inocentes; lenta, contudo, para  reconhecer o “o maior erro Jurídico já cometido no Brasil”. A Justiça dos homens  é lenta demais e permite muitos recursos, mas a de Deus não falha e o filho de Deus, Marcos Mariano,  será recebido no céu com toda honra e toda glória que somente é reservada aos justos!

É...Marcos Mariano, o senhor não foi o primeiro e nem será o último a ser condenado por uma justiça jurássica, ultrapassada e lenta, ciosa em prender inocentes; mas, pelo menos,percebeu o quanto é morosa a injustiça para reparar erro do Estado  e libertá-los. O agora falecido ex-mecânico, cego dos dois olhos, atingido por estilhaços de armas de fogo, andando com uma bengala,  entrou com uma ação contra o estado de Pernambuco por danos morais e materiais. Em 2006, ele ganhou a causa. O valor da indenização foi de dois milhões de reais. Em 2008, Marcos recebeu uma parte do dinheiro. Comprou casas pra ele e para os parentes. O estado recorreu pra não pagar a segunda parte. Mas o Estado recorreu para não pagar-lhe a segunda parcela a que teria direito.

A última decisão dessa briga jurídica saiu dia 23, de modo terminativo. O Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negou o recurso do Estado de Pernambuco. Foi mais uma vez favorável a Marcos Mariano. Ele soube da notícia por telefone, foi tirar um cochilo e morreu com a consciência tranquila depois de 19 anos de sofrimentos, humilhações e morosidade do Judiciário brasileiro!

De acordo com o advogado, o STJ reconheceu o caso como “o maior erro da história jurídica brasileira”. Os herdeiros têm direito à indenização. “Um homem que sofreu a vida inteira e lutou pra (sic) mostrar pra sociedade que ele era uma pessoa correta, honesta, justa. Ele parece até que estava esperando fechar este ciclo pra(sic) demonstrar a sua honradez, pra(sic) morrer tranquilo, em paz”, declarou o seu advogado José Afonso Bragança Borges, quase chorando frente à câmera, tanta era sua emoção.

O que pretendo ao escrever minha crônica? Nada! Só prestar uma homenagem a um homem  simples, honrado e justo, que passou 19 anos preso e ficou cego por estilhaços de armas. Ele poderia até não ver mais. Mas, pelo menos, percebeu o quanto é morosa a Justiça brasileira para reparar um erro do Estado. Ao preso injustamente não é dado o direito de qualquer defesa, mesmo quando inocente. Mas ao Estado lhe é dado o direito de recorrer indefinidamente,  até ao Supremo para não pagar um valor que deve. Em que país nós estamos, “senhor Deus dos desgraçados e por que dormes enquanto uma injustiça dessas é cometida a um filho teu?”

Entendo até que o Estado do Maranhão, ao pagar a primeira parcela de sua dívida, reconhecera o seu grotesco erro Jurídico, cometido por juízes que representam e aplicam as Leis em nome do Estado que, por dever de ofício, recorreu para não quitar a segunda parcela, buscando desesperadamente um respaldo jurídico. Esse respaldo, não veio. E agora, o pior aconteceu: o Marcus morreu! Mas feliz por ver que sua luta não foi em vão.

Infelizmente, devem existir por esse Brasil muitos outros “Marcus Mariano” presos injustamente também.

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