O VERBO DE BALBI
João Leda
Discorrendo
sôbre a vida intelectual de Cicero, observou Bussuet em profunda análise, como
era próprio do seu feito literário, coroável das minúcias, que o egrégio orador
romano imprimia às suas produções de qualquer gênero a elocução peculiar da
tribuna, constituindo essa qualidade inata do seu espírito um encanto para quem
quer que o ouvisse. Ainda no despreocupado lavor das suas cartas intimas,
Cícero, se as lia a algum interlocutor no convívio doméstico, declamava-as com
ênfase, sublinhando as frases de mais interesse com o entorno especial de quem
discursa. E tão perfeito era no compor, como no ler o que compunha.
Invocamos
esse episódio histórico, recolhido de antigas leituras, para associá-lo a uma
lembrança grata que guardamos de Heliodoro Balbi, em cujo temperamento
literário era também evidente a singular propensão a que aludimos. Jornalista,
crítico, professor e orador, era todavia nesta derradeira feição de seu fecundo
talento que consubstanciava as demais. Se Balbi reconhecia essa tendência
irrefugível, ignorâmo-lo; mas que a certificavam muitas dos que ele admitiu à
sua esplêndida camaradagem, é certo.
De
feito, eram instantes de volúpia espiritual os que passávamos a ouvir Heliodoro
na aprumada declamação dos seus mais simples escritos. O cálamo do jornalista
nervosamente arrebatado, no ataque como na defesa, soava na sua boca como um
vibrante requesitório de rosto, onde a argumentação borbulhava e cachoava na
candência dos adjetivos, no explodir da frase viril e cortante, no comento
pulverizador das alegações adversas.
Nunca
lhe foi fácil a atitude serena na magistratura da crítica, e talvez não se lhe
conheça uma página em que, de par com tolerantes e amenos conceitos, não
abrolhe o acúleo da ironia a rever o ânimo irrequieto e combativo Balbi. Sempre
e sempre o orador nas ardências do elóquio.
Na
cátedra, igualmente. Esse seu modo de ser mental achava ai exuberante, despeada
expansão. Pelo comum, o ponto da matéria, de antemão fornecido aos alunos,
representava apenas um pretexto para dissertações eloquentes. Ampla cultura,
servida por extraordinário memória, ministrava a Balbi elementos a flux para
explanação de jeito tribunício, que eram incontroversamente o seu forte; e era
vê-lo então copioso e facundo, na multiplicidade dos conforme e paralelos, no
entrechoque dos seus com os pontos de vista dos autores, não raro em sínteses
magníficas, que muitas vezes explicavam êxido, nos exames, dos estudantes de
melhor e mais segura retentiva.
Conclua-se agora do que fica dito o que
poderia ser Balbi, tribuno até a medula, perante uma multidão que, rumorejando
na praça pública, lhe estimulasse os clamores de vingador popular,
confiando-lhe ao patrocínio a reivindicação de um direito, a obtenção de um ato
elementar justiça, inflexivelmente negado pelos governos. Nesses momentos, a
torrente oratória de Balbi espadanava em tropos rutilantes, sua indignação
trovejava metáforas de fogo, fraguava imagens que sacudiam o auditório incrível
turbilhonar verbalista, em que iam rolando os governantes marcados com cruéis
estigmas, numa flagelação que durava até que a fadiga empolgasse o fadiga
empolgasse o flagelador. Muito mais que
a atuação catedrática do mestre, muito mais que os triunfos do jornalista e os
ensinamentos do crítico, entreluzem na memória da geração que vai passando as
orações formidáveis desse ídolo das turba, de quem ficaram altos pensamentos,
ainda hoje repetidos na saudade de quantos o amaram e admiraram.
Obs: Neste texto, preserva-se a linguagem ortográfica da época
Obs: Neste texto, preserva-se a linguagem ortográfica da época
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