INSS reconhece que golpe não é problema só dos bolsões de pobreza do Nordeste
Chico Otavio, O Globo
Até para quem não sabe ler, o apelo é tentador. Letreiros coloridos exibem reproduções de notas de R$ 50 e R$ 100 e imagens de idosos sorridentes. “As melhores conquistas também fazem parte da melhor idade”, diz um deles. “Mais rápido e pronto para resolver seus problemas”, promete o outro.
No comércio de Coroatá, cidade do cerrado maranhense a 276 quilômetros de São Luís, casas de empréstimo consignado estão em cada esquina. Elas chegaram dispostas a democratizar o acesso ao crédito “fácil, sem consulta ao SPC ou avalista”, mas tudo o que conseguiram foi levar para o sertão uma epidemia que se espalha pelo país: o golpe do superendividamento, embalado pela exploração da boa-fé de aposentados e pensionistas.
Casas de crédito consignado em Coroatá, Maranhão - |
Damião Sátiro de Oliveira, de 71 anos, caiu na tentação. Analfabeto e aposentado rural em Coroatá, recorreu a uma das lojas, cujo nome não lembra, para pedir um empréstimo consignado. Queria pagar uma dívida. Entregou os dados pessoais e calcou o dedo polegar no contrato. Meses depois, descobriu que outros quatro empréstimos foram feitos em seu nome, sem que tivesse autorizado.
Hoje, recebe apenas R$ 300 do benefício de R$ 622 — o restante é retido para pagamento das dívidas — e foi obrigado a cortar remédios de uso contínuo para viver com metade da renda habitual.
— Nunca ouvi falar dos bancos que estão descontando o meu dinheiro. Para piorar, a minha mulher caiu no mesmo golpe — lamentou o aposentado.
Mas Damião Oliveira não é um caso isolado. Em um país que registrou, somente nos cinco primeiros meses de 2012, R$ 11,4 bilhões em contratos de empréstimos consignados, o INSS reconhece que o golpe do superendividamento não é um problema só dos bolsões de pobreza do Nordeste, mas de todo o Brasil.
O instituto já recebeu denúncias de que, para atrair os incautos, há até pequenas lojas que colocam a logomarca “INSS” na fachada. Oficialmente, a Previdência Social contabilizou 3.200 vítimas do golpe no ano passado, mas o número pode estar subestimado. Somente o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Coroatá ajuizou 600 ações indenizatórias em nome de vítimas do golpe e pretende ingressar com outras 400.
— Estão transformando uma legião de miseráveis em uma legião de miseráveis endividados — lamenta o ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
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