Discurso pronunciado pelo dr. José Lopes de Aguiar,
vice-governador do Acre na Administração Hugo Carneiro, por ocasião da chegada
dos restos mortais de Heliodoro Balbi, a
25 de fevereiro de 1928, que foram acompanhados por aquele causídico no seu
trajeto de Rio Branco até Manaus.
Senhores
amazonenses:
Ao
pisar o solo hospitaleiro e bendito banhado pelo majestoso rio-mar, a terra das
imensas solidões florestais, que tão bem inspiraram essas páginas luminosas do
“Na planície Amazônica”, de Raimundo Morais, eu vos saúdo efusivamente, meus
ilustres patrícios de aquém da Linha Cunha Gomes.
Venho
de bem longe. Venho da terra da borracha, daquele rincão da pátria brasileira,
que a coragem indômita de Plácido de Castro e a diplomacia de Rio Branco
integraram ao patrimônio nacional.
Emissário
do Governo do Acre, aqui me traz a honrosa missão de vos entregar os despojos
terrenos de um filho dileto deste Estado, daquele que em vida se chamou
Heliodoro de Lima Balbi.
Para
satisfazer os justos anelos do povo generoso, altivo e nobre desta terra de
gloriosas tradições, S. Excia. o Sr. Dr. Hugo Carneiro, eminente governador do Acre e de vós conhecido,
porque pelo poder executivo municipal desta formosa e culta cidade passou,
deixando honrosa reputação de probidade, trabalho e energia, determinou a
exumação dos ossos de Heliodoro Balbi, sepultando no cemitério da cidade de Rio
Branco, onde, vitimado pela epidemia da gripe espanhola, faleceu a 26 de
novembro de 1918. Este ato se realizou solenemente na manhã de 24 de janeiro,
data gloriosa que recorda o término da revolução libertadora do Acre.
Senhores:
eu conheci, pessoalmente, Heliodoro Balbi, em Rio Branco, para onde os revezes
políticos do seu Estado natal o atiraram. Conhecí-o, quando já uma perene
sombra de tristeza lhe escurecia a fisionomia. Muitas e muitas vezes tivemos de
trocar idéias em torno de assuntos vários, sobretudo de casos concretos que se
debatiam no fôro judiciário daquela cidade, onde depois de haver chegado, foi
aniquilado pelo infortúnio da morte de sua querida esposa, que aqui deixara.
Tocante,
senhores, foi a cerimônia da exumação dos ossos do vosso saudoso irmão.
Imponente foi o cortejo da urna mortuária, que lhe conduzia os despojos, desde
a necrópole municipal até a matriz de São Sebastião e daí até o edifício do
grupo escolar “7 de Setembro”, onde aguardou o dia do embarque para esta
formosa princesa do Rio Negro, onde vem repousar para todo o sempre.
Com
efeito, no dia 13 do mês cadente, embarcava no porto do Rio Branco a urna
funerária, á frente de cuja procissão cívica se encontra o chefe do governo
daquele Território. A navegação que o conduzia se deslizava mansamente pela
superfície das águas, aqui serenas, ali crispada pelo sopro dos ventos, mas,
sem perigo, Deus a trouxe a salvo a esta enseada amiga.
Não
menos tocante é esta solenidade; não menos importante é o cortejo luzido da
vossa grandiosa recepção, tão em chocante contraste com a palavra mal segura do
mensageiro desconhecido.
Aqui
nesta multidão, onde se distingue a pessoa ilustre do representante do Sr.
Presidente do Estado, vejo representantes de todas as classes sociais, desde os
altos poderes constitucionais do Estado até o simples operário; desde a fina
intelectualidade até o estudante de primeiras letras.
O
quadro vivo que se debuxa a meus olhos me impressiona e profundamente me
comove.
Quer
isto dizer, senhores, que os restos mortais, que acompanha até vós o são de um
homem que vos pertencia a todos. Subia aos paramos dourados das letras; mas
sabia descer e sofrer como o fraco oprimido!
Quem
foi ele?
Vós
que o digais, porque melhor que eu bem o sabeis.
Foi
um literato, um jornalista, um orador, um professor, um filósofo, um poeta,
amigo de sua terra, um grande sofredor!
A
sua psicologia está lidimamente pincelada naquelas páginas cintilantes do verso
distinto intelectual, Péricles de Morais, no seu precioso livro – FIGURAS &
SENSAÇÕES.
Era
versado no vernáculo, cujas roupagens vistosas tão bem lhe vestiam a idéia. Na
contextura da frase elegante e castiça do literato ressaltava a grandeza do
pensamento do filósofo.
Político
e advogado da causa pública ele simbolizava a fé no ideal republicano, como um
indefeso apóstolo do direito, da verdade e da justiça.
Lidador
estrênuo, defendeu as liberdades públicas e os lídimos princípios da
democracia, ao lado dos fulgurantes espíritos de Adriano Jorge e Araújo Filho e
outros, constituindo admirável síntese de um apostolado cívico.
Orador
e polemista de fôlego, sua palavra inflamada tinha o poder de levantar as
turbas, de transfigurar o auditório, produzindo deslumbramentos como si foram
lampejos de relâmpagos do Sinai.
Mas
para que eu dizer o que melhor sabeis?
Vós,
senhores amazonenses, é que tendes autoridade para dizer o que ele foi, porque
aqui, nesta culta cidade, hoje governada pelo espírito brilhante de Araújo
Lima, foi que se travaram as pelejas mais renhidas daquele talento peregrino,
daquela inteligência de escol.
Vós,
senhores da Academia de Letras, cuja vaga por ele deixada e que foi
brilhantemente preenchida por essa robusta ilustração, que é Manuel José
Ribeiro da Cunha, com aquela notável peça oratória com que tomou assento no
douta cadeira de – Tito Lívio de Castro -, vós, repito, é que podeis com
fulgurações de talento dizer da vida, da mentalidade forte, do gênio verbal
daquele, cujos ossos eu vos restituo em nome do Governo do Território do Acre.
Vós,
mestre e discípulos do Ginásio Amazonense, em cujo corpo docente era luzeiro,
bem sabeis da erudição do mestre que se foi e que vivendo na nossa saudade.
Vós,
senhores das classes proletárias, das classes conservadoras e trabalhistas,
vinde derramar sobre esta urna os vossos olhares marejados de lágrimas
sentidas, da expressão dolente de uma saudade infinda, de uma gratidão eterna.
Vós,
políticos e jornalistas desta terra glorificada pelo martírio e grande pelas
riquezas naturais de seu solo, não vos esquecestes ainda do vosso companheiro
de lutas, que aqui está inanimado.
Sim,
ele morreu!
A
morte é o melhor bem da vida, disse o padre Antonio Vieira.
Nesse,
transito do berço ao túmulo, ele teve glórias e triunfos, mas teve também
amargas decepções.
Ele
passou, é verdade, mas na sua passagem deixou uma inextinguível esteira de luz.
Passou, mas o seu pensamento.
O
mavioso poeta de Iracema, fechando o encantador poema que decantou a figura
lendária de uma mulher que “tinha os cabelos negros que a asa da graúna e mais
longo que o talhe da palmeira” avançou esta proposição conceituosa.
“Tudo
passa sobre a terra”.
Em
contraposição, afirmou o genial autor da “Trindade do Mundo”, dr. Farias Brito,
o maior filósofo brasileiro:
“Nem
tudo passa. O pensamento humano não passa”.
Assim,
senhores, o pensamento de Heliodoro Balbi não passou.
Senhores:
o Acre está presente ás homenagens com que, denotando a vossa alta cultura
cívica, recebeis os restos mortais do vosso irmão.
E o
Acre está presente não só pela palavra do humilde representante do governo,
senão ainda, e mais eloquentemente, pela sua bandeira, que vêdes envolvendo num
largo abraço a urna do morto querido.
O
Acre vos acompanha em todas essas manifestações que tributais á memória
inolvidável do filho ilustre que viu o berço nestas florestas e á sombra
benfazeja das mesma florestas vem dormir para sempre, sentindo mais perto a
admiração dos seus irmãos e mais quentes as lágrimas dos queridos filhos que
aqui estão.
Senhor
Prefeito: mais eloquente do que as minhas palavras é esta homenagem de que sou
portador e que por deliberação do governo do Acre, a Municipalidade de Rio
Branco me manda vos entregue com os ossos de Heliodoro Balbi, que aqui tendes
todos vós para o vosso culto cívico, para o vosso amor mais vivo, para a vossa
saudade mais cruciante.
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