João Ubaldo Ribeiro
Quis o irônico destino, uns anos mais tarde, que eu fosse
professor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia e
me designassem para a banca de português, com prova oral e tudo. Eu
tinha fama de professor carrasco, que até hoje considero injustíssima, e
ficava muito incomodado com aqueles rapazes e moças pálidos e trêmulos
diante de mim. Uma bela vez, chegou um sem o menor sinal de nervosismo,
muito elegante, paletó, gravata e abotoaduras vistosas. A prova oral era
bestíssima. Mandava-se o candidato ler umas dez linhas em voz alta
(sim, porque alguns não sabiam ler) e depois se perguntava o que queria
dizer uma palavra trivial ou outra, qual era o plural de outra e assim
por diante. Esse mal sabia ler, mas não perdia a pose. Não acertou a
responder nada. Então, eu, carrasco fictício, peguei no texto uma frase
em que a palavra "for" tanto podia ser do verbo "ser" quanto do verbo
"ir". Pronto, pensei. Se ele distinguir qual é o verbo, considero-o um
gênio, dou quatro, ele passa e seja o que Deus quiser.
— Esse "for" aí, que verbo é esse?
Ele considerou a frase longamente, como se eu estivesse
pedindo que resolvesse a quadratura do círculo, depois ajeitou as
abotoaduras e me encarou sorridente.
— Verbo for.
— Verbo o quê?
— Verbo for.
— Conjugue aí o presente do indicativo desse verbo.
— Eu fonho, tu fões, ele fõe - recitou ele, impávido. — Nós fomos, vós fondes, eles fõem.
Não, dessa vez ele não passou. Mas, se perseverou, deve ter
acabado passando e hoje há de estar num posto qualquer do Ministério da
Administração ou na equipe econômica, ou ainda aposentado como marajá,
ou as três coisas. Vestibular, no meu tempo, era muito mais divertido do
que hoje e, nos dias que correm, devidamente diplomado, ele deve estar
fondo para quebrar. Fões tu? Com quase toda a certeza, não. Eu tampouco
fonho. Mas ele fõe.
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