Um metro e noventa e um centímetros de altura, como poderiam ser magistralmente suportados por um pé de número 38? Um mistério, como quase tudo na vida do cidadão Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, ou somente o Dr. Sócrates, o brasileiro até no nome, que reinventou a forma de se jogar futebol.
O seu calcanhar era mágico em um pé tão pequeno. Era irretocável o “toque de letra” do Dr. Sócrates, como foram os gols de Pelé, os dribles desconsertantes das pernas tortas de Garrincha ou os gols de Jairzinho e sua impressionante marca de quase um gol por partida na Copa de 70.
Tornou-se jogador de futebol profissional, para mudar...e mudou: a forma de jogar, de envolver futebol com política mas, principalmente, refinou o toque de calcanhar. Contudo, este simples e inteligente toque não poderia ficar restrito ao time do Botafogo de Ribeiro Preto, equipe que o revelou para em 1974.
Estudou medicina. Foi dedicado. Passava noites dando plantão em hospitais e depois ia se concentrar. Muitas vezes também deixou de comparecer às concentrações e treinos e era criticado por isso pelos jornalistas de plantão.
Com todo o sacrifíco, formou-se em 1978 e o braço erguido na hora do gol virou sua marca registrada. Em seis anos de futebol, conquistou três títulos pelo Corinthias. Mas não conseguiu viver só mais um pouquinho para esperar a nova conquista de seu “timão”.
Em plena ditadura militar, o Dr. Sócrates criou a famosa democracia corintiana, uma afronta ao Governo Militar, quando todos os jogadores passaram a opinar sobre tudo no clube, da concentração à escolha do técnico e a forma do Cotinthians jogar.
Em discurso pelas “Diretas Já”, na campanha da emenda de Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para presidência da República, prometeu que deixaria o país se ela não fosse aprovada. Não o foi e deixou o Brasil decair com seu futebol na Itália, em um exílio voluntário.
Seu futebol refinado não prosperou no time da Fiorentina, em uma Itália com futebol de força e não de classe. Voltou ao Brasil e foi jogar no Flamengo. Foi um dos ídolos da Copa de 1982, mesmo o Brasil não sendo campeão do Mundial. Encerrou sua carreira de craque de futebol, de ideologia e de identidade do “sócrates brasileiro,” jogando novamente no Botafogo de Ribeirão Preto.
Foi um privilégio o Dr. Sócrates ter jogado futebol e foi um outro privilégio tê-lo visto jogar seu futebol arte, mesmo que pela televisão e me sentir privilegiado por ele contribuido politicamente com o processo de redemocratização do Brasil, com o seu futebol. Só não conseguiu viver mais um pouco para ver o seu time campeão ser pela quinta da cobra do Brasil.
Adeus Dr. Socrates, que era brasileiro até no nome. Nunca mais assistirei às suas geniais jogadas de calcanhar! Adeus, Dr. Sócrates, é isso que lhe tenho para dizer...
Carlos Costa é jornalista e escritor
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