A reunião solicitada para
hoje pelo decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, com os
demais ministros será decisiva para definir a situação do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e dos demais condenados em segunda instância no país.
Diante da resistência da
presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, em pôr em pauta as Ações Diretas de
Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, que questionam a possibilidade de prisão
depois da decisão tomada em segunda instância, Celso resolveu chamar os
ministros para uma discussão informal sobre o assunto.
De um lado, a defesa de Lula
e seus partidários pressionam o STF para tomar uma decisão que pode livrá-lo da
cadeia por um tempo. De outro, a sociedade civil mobilizada levou ontem a
hashtag #ResistaCarmenLucia ao terceiro lugar entre os tópicos mais comentados
do Twitter no mundo. Juízes e procuradores da Operação Lava Jato também exigem
o cumprimento das regras atuais para Lula.
O ministro Gilmar Mendes
negou ontem um habeas corpus em nome de todos os presos para
suspender o cumprimento de penas decididas na segunda instância, por
considerá-lo genérico demais. “Seria temerária a concessão da ordem, uma vez
que geraria uma potencial quebra de normalidade institucional”, escreveu.
É de Gilmar, contudo, o voto
que poderia mudar a situação não apenas de Lula, mas de todos os condenados
pela Operação Lava Jato e de milhares de presos no Brasil. Antes favorável ao
entendimento de que um réu condenado por um órgão colegiado já poderia começar
a cumprir a pena, Gilmar mudou de ideia. Agora, acredita que a prisão deveria
ocorrer apenas depois de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Como não mudaram de ideia os
ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Dias Toffoli e
Rosa Weber aparentemente (apesar de Rosa ter chegado a sugerir isso), bastaria
o voto de Gilmar para que a interpretação da Corte se tornasse outra. Depende
apenas de que o plenário examine a questão em algum momento – e, diante da
pressão popular, Cármen evitou isso até agora.
Tomada em outubro de 2016 em
cima de um habeas corpus, a decisão que levou ao entendimento atual a
respeito das prisões em segunda instância é frágil, tanto que passou a ser
desafiada repetidas vezes, com base no descrito no artigo 5º da Constituição,
inciso 52: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”.
A decisão do STF se
restringe a afirmar que o cumprimento de penas depois da decisão em segunda
instância não fere esse princípio, uma vez que “prender” é diferente de “ser
considerado culpado”. Ela permite a prisão de modo implícito, mas não a obriga.
Apesar disso, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), onde tramitam
os processos de Lula e dos demais réus da Lava Jato, emitiu súmula ordenando a
prisão dos réus, uma vez esgotados os recursos na segunda instância.
Diante da incerteza
jurídica, é necessário que o STF volte a se pronunciar a respeito, de modo a
esclarecer as dúvidas que persistem desde a publicação da íntegra do acórdão,
em fevereiro de 2017. Razões jurídicas para isso não faltam. Agora, porém,
qualquer movimento passou a ser visto – não sem razão – como uma tentativa de
favorecer Lula.
A questão, é claro,
transcende o caso dele. Qualquer nova interpretação do STF será estendida para
todos os demais. A principal consequência de uma mudança seria o fim, para
todos os efeitos práticos, da Lava Jato, gerando um baque nas demais investidas
contra a corrupção.
A prisão em segunda
instância é o fator dissuasivo com que juízes e promotores sempre contaram para
fechar de acordos de delação premiada. Para evitar ser presos, os acusados
preferem contar a verdade e trazer novas informações à investigação. Se o STF
decidir que as prisões só terão efeito depois de uma decisão do STJ, haverá
menos motivos para delações – e mais para os advogados estenderem a batalha
jurídica.
O primeiro beneficiado seria
Lula. Para ele, porém, não há cenário ruim. Do ponto de vista político, seria
até melhor que fosse detido, para depois ser solto por um habeas corpus ou
decisão em instância superior. Teria, assim, outro elemento para compôr o
discurso de que é uma vítima da Justiça e para mobilizar sua tropa em torno da
campanha eleitoral petista, seja lá quem venha a ser o candidato.
Para o STF, ao contrário,
não há saída boa. Se Cármen continua a resistir e a questão não vai a plenário,
persiste a incerteza jurídica. Se aceita pautá-la ou cede à tentativa de algum
outro ministro para que seja colocada “em mesa” sem a anuência da Presidência
do Supremo, será inevitável a conclusão de que o tribunal se curvou a Lula para
“estancar a sangria” da Lava Jato. O STF de Cármen Lúcia está em xeque.
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