terça-feira, 9 de agosto de 2011

Nasceu mulher, mas agora quer ser homem


Da esquerda pra direita em 2008 quando
 era mulher e agora em 2011, já masculinizado
 Leonardo Tenório nasceu mulher e se descobriu transexual masculino no fim da
adolescência
Ele não se encaixa dentro do próprio corpo. É como se estivesse no lugar errado. Vive em eterna crise por medo de morrer ainda como mulher. A inquietação e a mágoa completam a sua realidade.

Todo esse sofrimento faz parte da vida de Leonardo Tenório há pelo menos três anos. O jovem pernambucano de 21 anos, morador da parte recifense do bairro de Peixinhos, é um transhomem. "Até então eu nem sabia que existia isso, mas depois de completar 18 anos, pesquisando sobre o assunto descobri que era mesmo um transexual masculino", fala.
Leo, como prefere ser chamado, percebeu que o seu tipo físico não dialogava com o seu psicológico. Em uma explicação estereotipada, a situação dele é a de um homem preso em um corpo de mulher. "Essa incongruência recebe o nome de Transtorno de Identidade de Gênero; viver esse estado é fonte de sofrimento crônico”, era o que já afirmavam os primeiros estudos sobre a questão, promovidos de forma pioneira pelo pesquisador alemão Harry Benjamin em 1966.
"Em outro estudo que estava pesquisando no site do Dráuzio Varella vi que 44% dos 'trans' se descobriam apenas a partir da adolescência, e essa descoberta é quase sempre irreversível; foi quando me identifiquei", afirma Leo.

Assim, Leo, que se encaixa na condição de um transexual FTM ("Female to Male": espécie de apelido usado em todo o mundo), é considerado como tal mesmo sem ainda ter realizado a cirurgia de reatribuição sexual, termo correto para a popular: “cirurgia de mudança de sexo”. Essa transição anatômica de mulher-para-homem é o que o jovem mais quer na vida.
"Eu sei que quase ninguém vai entender, é complicado, mas para viver, eu preciso me distanciar do meu corpo, que ainda é uma parte de mim. Isso não é fácil", diz o jovem. "Às vezes quando acordo eu vejo que ainda estou dentro do corpo feminino, dá uma agonia e uma vontade de correr; poxa, poxa... Mas não adianta, né?", silencia.

A sensação de ovulação causa enorme desconforto, por isso passou desde 2009 a comprar ampolas de esteróides à base de hormônio masculino. "De três em três semanas recomeço com o ciclo de testosterona. Durante mais de um ano tomava na clandestinidade, só agora um endocrinologista da rede pública se sensibilizou com a minha situação e passou a me receitar", fala. Segundo ele, a questão transexual ainda é mal assimilada pelos profissionais de saúde. "Sei da importância do acompanhamento médico, mas o serviço de saúde público e particular é muito problemático, a maioria não entende a questão trans", diz.

Segundo ele, no Norte/Nordeste não é possível ter acesso à cirurgia transgenital (outro nome para "mudança de sexo") pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em Pernambuco, há a possibilidade através do Hospital das Clínicas da UFPE. "A metodologia adotada pelo SUS é muito mais abrangente, já a regras básicas sugeridas pelo Conselho Federal de Medicina - bem mais restritas-, é a única que o serviço do Hospital das Clínicas tem obrigação de seguir, o que dificulta o processo de transexualização”, fala. Seguno ele, fosse através do SUS, o serviço teria muito mais recursos e o acesso seria mais amplo.

Leonardo, que trabalha atualmente como recepcionista da Secretaria de Saúde, quer ser filósofo
Além da batalha pelo atendimento médico, Leo ainda tem que transpor o preconceito social e familiar. "A questão transexual acaba sendo vista de forma pejorativa porque não é analisada em toda sua complexidade", fala o jovem que atualmente mora na casa dos avós sozinho, pois vive em um cômodo separado que fica atrás da casa principal.
"Fui abandonado pelo meu pai e nunca tive uma relação familiar positiva com minha mãe e meu irmão. Mesmo assim, desde criança sempre quis ter o meu canto. Aos 15 saí compulsoriamente, depois voltei, e no ano passado 'resolvi' me mudar, porque fui convidado 'gentilmente' a sair de casa”, recorda. “Quando resolvi me transexualizar, o clima em casa ficou insuportável”, comenta Leo, lembrando com certa inquietação que seus familiares ainda o chamam pelo seu antigo nome. “Não suporto escutá-lo", diz.

Para Leo é um tormento ter que assinar a ata de presença com o seu nome de registro no curso profissionalizante em Webdesign que faz atualmente. “Também é um tormento o ponto eletrônico no trabalho, que emite o meu nome de registro no display, eu sempre tenho que ficar na frente e tampar com a mão para as pessoas não verem”, fala o hoje funcionário de recepção da Coordenação de DST/Aids da Secretaria de Saúde do Estado. Por isso ele lembra da importância que de se poder criar um nome social, para quem ainda não mudou a documentação.

Mas mesmo ainda um pouco acuado, Leo não para. Trabalha, estuda e se aproxima dos movimentos sociais. "É uma pedra gigantesca na minha vida e que vai demorar muito para ser tirada do meu caminho", comenta o mesmo Leo, fundador da Aliança LGBT de Pernambuco, e membro ativo dos Coletivos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais Socialista, do LGBT do PCdoB e recém eleito delegado da 2ª Conferência Municipal da Livre Orientação Sexual do Recife, marcada para ser realizada nos dias 18 e 19 agosto.

A verdadeira sina de Leo é mesmo a busca do homem que existe nele. Pena que existem poucos modelos que se alinhem com sua realidade de vida. "Mas finalmente eu pude me identificar com alguém, é que no seriado 'The L Word' [série americana sobre lésbicas vinculada pelo canal pago Warner] havia um trans, o Max. Ele tinha uma roda de amigas, mas não se identificava com elas, me sentia um pouco assim", relembra.
Fonte J.C.online

Nenhum comentário:

Postar um comentário