Carlos Costa é jornalista |
O nosso reencontro foi tenso, muito tenso, cheio de desejos e ansiedades.
Ela,lá, parada em um canto. Eu aqui, vendo-a sem ter coragem de tocá-la. Não
sabia o que fazer. Rodei pela sala, procurei um livro. Terminei na geladeira.
Eu tomei uma cerveja e ela ficou no canto, como que me olhando, rindo de meu
nervosismo.
Tomei coragem. Fui até ela, decidido. De um gesto só, tirei-lhe a roupa. Foi um
susto. Ela estava do mesmo modo. Não reagiu, não sorriu, não protestou, não faz
nada, nadinha mesmo. Toquei em seu corpo, acariciei sua face e nada. Ela não
reagiu. Ficou muda, como a deixei.
Eu e
ela, no passado, fomos amantes, companheiros, confidentes. Noites e noites
conversávamos a sós. Ela ajudou-me a afogar mágoas. Tantas vezes serviu-me de
porta-voz, sem nada dizer, sem protestar. Tomou conhecimento dos meus amores,
ajudou-me a conquistar outros e curtiu fossas comigo.
Não era ciumenta a minha amante, não dizia nada. A sua submissão era total,
completa e, mesmo assim, a abandonei. Nos afastamos sem despedidas. Ela estava
em casa, sozinha, e se foi sem me dizer adeus. Acho que estava zangada. Não a
encontrei mais e já tinha perdido a esperança de reecontrá-la um dia. Se
tivesse magoada, até compreenderia. Não lhe dei a devida atenção, não lhe
cuidava bem. Acho que até gostou do que aconteceu.
Agora ela estava
lá,muda, em um canto. Não me pediu desculpas e nem deu explicações. Eu aqui,
sem saber o que dizer depois de tê-la deixado completamente nua. Era ela, a
mesma, a mesma que se foi um dia. Estava do mesmo modo como eu a tinha visto no
último dia.
Tomei outra cerveja, sozinho. Ela não bebe. Criei coragem novamente. Rumei para
seu lado. Sentei-me na banqueta e a puxei para bem perto de mim. Precisava
acariciá-la mais, sentir cada uma das partes de seu corpo. Sim. Precisava ser
mais carinhoso, afinal, tantas vezes ela foi carinhosa comigo, me permitiu
extravasar todo meu sentimento, foi confidente de meus desejos e minhas
angústias. Era o mínimo que poderia exigir.
Novamente usei de
violência, como tantas vezes fizera no passado. Imediatamente a sala encheu-se
de barulho. Era o mesmo barulho de alguns anos. Eu introduzi os dedos em suas
partes e as teclas foram se movimentando como da última vez em que estivemos
juntos.
No papel preso ao
cilindro, alguma coisa começava a tomar forma. Como no passado, estávamos nos
tornando amantes outra vez, eu e minha máquina Olivetti, línea 98.
Graças ao tempo, suas partes estavam intactas. Felizmente o ladrão que a roubou
não tinha por ela o mesmo sentimento de cumplicidade que eu tenho. Por isso, eu
e minha Olivetti somos candidatos a ser os mesmos amantes de antes!
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