É desalentador, além de maçante, tentar acompanhar as discussões sobre o processo de impeachment na Câmara dos Deputados. Parlamentares parecem acreditar que uma bela gravata ou a maquiagem caprichada servem para disfarçar a falta de educação ou o vazio das ideias. Faltam-lhes a gravidade exigida pelo momento, a maturidade para promover um debate sereno e a densidade necessária à discussão das acusações que pesam contra a presidente Dilma Rousseff. |
Ao longo de mais de quatro horas que se estenderam pela noite de ontem, o relator do parecer da Comissão Especial, o deputado Jovair Arantes (PTB), leu seu voto favorável ao impeachment de Dilma. Sucedeu-se mais um vergonhoso bate-boca. Gritos de “golpistas” eram rebatidos pelo coro ritmado de “impit’má, impit’má”. O clima era de torcida de jogo de futebol, com bandeirolas, faixas penduradas e um comportamento de adolescentes em plena ebulição hormonal.
Jovair não é um orador nato, muito menos um estilista. Sua leitura, num tom monocórdio, mecânico, titubeante, foi interrompida não apenas pelos gritos da plateia, mas também por hesitações e pausas dele próprio – a ponto de, em alguns momentos, levantar dúvidas sobre se entendia mesmo o que lia. É verdade que o texto também não ajudava. Redigido naquele tom relatorial e burocrático que caracteriza nossa classe política, o parecer repete diversas vezes, ao longo de 128 páginas, os mesmos argumentos e informações, já repisados e reiterados ao longo dos últimos meses. Um bom editor o reduziria no mínimo à metade, com um enorme ganho de contundência e eloquência.
Mas talvez seja exigir demais dos nossos parlamentares os talentos oratórios ou literários de um Churchill ou Lincoln. Políticos anglo-saxões entendem a importância, numa democracia, de falar um idioma que o povo entenda. Na cultura brasileira, há um sentimento de que é preciso falar difícil, usar um linguajar rebuscado, cheio de “vossas excelências” e outros rapapés. Nossos parlamentares só parecem falar português quando partem para a agressão e usam palavrões – e ontem deram mais uma prova de como sabem fazer isso. O palavrório funciona frequentemente, como a gravata ou a maquiagem, para esconder a pobreza das ideias e a indigência dos argumentos.
Não foi o caso, felizmente, do parecer de Jovair. Ele é longo, prolixo, burocrático e maçante, é verdade. Mas pelo menos é claro e preciso. Seus argumentos são sólidos. Desmontam a defesa apresentada na última segunda-feira – num tom ainda mais bacharelesco, embora mais contundente – pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. Ao contrário do que Cardozo disse na entrevista coletiva que deu no início da noite de ontem, Jovair limitou-se a analisar atos cometidos por Dilma no atual mandato. Seu voto favorável à denúncia reconhece duas acusações contra ela:
1) A emissão de quatro decretos que ampliaram os gastos do governo sem a devida contrapartida de receitas, estabelecida em lei. A acusação apontara seis decretos, mas Jovair aceitou apenas quatro. A defesa argumenta que eles não prejudicaram a meta fiscal, pois ela foi alterada pelo Congresso no final do ano. O parecer constata que os decretos foram emitidos antes dessa alteração e, naquele momento, obviamente violavam a lei. “Os fatos mostram sérios indícios de inconstitucionalidade, ilegalidade e irresponsabilidade fiscal”, diz o parecer. “O Poder Legislativo se vê constrangido, diante do fato consumado, e no intuito de evitar o colapso das contas públicas, a aprovar uma meta fiscal que passa a depender, em última instância, da vontade exclusiva da Presidente da República.”
2) O atraso nos repasses do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil de R$ 13 bilhões em 2015, relativos a créditos do Plano Safra, fato que representa uma repetição no padrão das pedaladas fiscais usadas amplamente nos anos anteriores. A defesa diz que a prática não configura um empréstimo ao Tesouro, mas apenas um “direito de crédito”. O parecer desmente essa visão e afirma que as pedaladas foram, sim, um empréstimo, comparável ao uso do “cheque especial” pelos cidadãos. “A União, sob o comando da denunciada, transformou em regra o que deveria ser absolutamente excepcional: durante meses a fio, usou recursos do próprio Banco do Brasil, e não do Tesouro, para bancar as ações de governo”, afirma o texto. “Não se está diante de descasamentos pontuais de fluxos financeiros, mas sim de algo reiterado, (…) de uma política deliberada de financiamento de ações governamentais pelo próprio Banco do Brasil.”
Em seu voto, Jovair preferiu não analisar a denúncia por improbidade administrativa, ligada às investigações da Operação Lava Jato. Também concluiu que não há elementos para aceitar a acusação de mascarar o tamanho da dívida pública, pois medir o endividamento é uma tarefa que cabe ao Banco Central, sobre a qual Dilma não tem nenhuma interferência.
Jovair deixou claro que, caso seu parecer seja aprovado na Comissão Especial de Impeachment e no plenário da Câmara – hoje um cenário incerto –, o julgamento dos atos de Dilma caberá ao Senado. À Câmara, compete apenas analisar se as acusações podem configurar crime de responsabilidade e se são admissíveis. Em que pesem toda a gritaria contra o “golpe” e os cartazes exibidos na sala da Comissão, o parecer comprova que, sim, elas são. Mas apenas o Senado tem legitimidade para dizer se Dilma cometeu os crimes de que é acusada e, em caso afirmativo, tirá-la da Presidência.
Jovair não é um orador nato, muito menos um estilista. Sua leitura, num tom monocórdio, mecânico, titubeante, foi interrompida não apenas pelos gritos da plateia, mas também por hesitações e pausas dele próprio – a ponto de, em alguns momentos, levantar dúvidas sobre se entendia mesmo o que lia. É verdade que o texto também não ajudava. Redigido naquele tom relatorial e burocrático que caracteriza nossa classe política, o parecer repete diversas vezes, ao longo de 128 páginas, os mesmos argumentos e informações, já repisados e reiterados ao longo dos últimos meses. Um bom editor o reduziria no mínimo à metade, com um enorme ganho de contundência e eloquência.
Mas talvez seja exigir demais dos nossos parlamentares os talentos oratórios ou literários de um Churchill ou Lincoln. Políticos anglo-saxões entendem a importância, numa democracia, de falar um idioma que o povo entenda. Na cultura brasileira, há um sentimento de que é preciso falar difícil, usar um linguajar rebuscado, cheio de “vossas excelências” e outros rapapés. Nossos parlamentares só parecem falar português quando partem para a agressão e usam palavrões – e ontem deram mais uma prova de como sabem fazer isso. O palavrório funciona frequentemente, como a gravata ou a maquiagem, para esconder a pobreza das ideias e a indigência dos argumentos.
Não foi o caso, felizmente, do parecer de Jovair. Ele é longo, prolixo, burocrático e maçante, é verdade. Mas pelo menos é claro e preciso. Seus argumentos são sólidos. Desmontam a defesa apresentada na última segunda-feira – num tom ainda mais bacharelesco, embora mais contundente – pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. Ao contrário do que Cardozo disse na entrevista coletiva que deu no início da noite de ontem, Jovair limitou-se a analisar atos cometidos por Dilma no atual mandato. Seu voto favorável à denúncia reconhece duas acusações contra ela:
1) A emissão de quatro decretos que ampliaram os gastos do governo sem a devida contrapartida de receitas, estabelecida em lei. A acusação apontara seis decretos, mas Jovair aceitou apenas quatro. A defesa argumenta que eles não prejudicaram a meta fiscal, pois ela foi alterada pelo Congresso no final do ano. O parecer constata que os decretos foram emitidos antes dessa alteração e, naquele momento, obviamente violavam a lei. “Os fatos mostram sérios indícios de inconstitucionalidade, ilegalidade e irresponsabilidade fiscal”, diz o parecer. “O Poder Legislativo se vê constrangido, diante do fato consumado, e no intuito de evitar o colapso das contas públicas, a aprovar uma meta fiscal que passa a depender, em última instância, da vontade exclusiva da Presidente da República.”
2) O atraso nos repasses do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil de R$ 13 bilhões em 2015, relativos a créditos do Plano Safra, fato que representa uma repetição no padrão das pedaladas fiscais usadas amplamente nos anos anteriores. A defesa diz que a prática não configura um empréstimo ao Tesouro, mas apenas um “direito de crédito”. O parecer desmente essa visão e afirma que as pedaladas foram, sim, um empréstimo, comparável ao uso do “cheque especial” pelos cidadãos. “A União, sob o comando da denunciada, transformou em regra o que deveria ser absolutamente excepcional: durante meses a fio, usou recursos do próprio Banco do Brasil, e não do Tesouro, para bancar as ações de governo”, afirma o texto. “Não se está diante de descasamentos pontuais de fluxos financeiros, mas sim de algo reiterado, (…) de uma política deliberada de financiamento de ações governamentais pelo próprio Banco do Brasil.”
Em seu voto, Jovair preferiu não analisar a denúncia por improbidade administrativa, ligada às investigações da Operação Lava Jato. Também concluiu que não há elementos para aceitar a acusação de mascarar o tamanho da dívida pública, pois medir o endividamento é uma tarefa que cabe ao Banco Central, sobre a qual Dilma não tem nenhuma interferência.
Jovair deixou claro que, caso seu parecer seja aprovado na Comissão Especial de Impeachment e no plenário da Câmara – hoje um cenário incerto –, o julgamento dos atos de Dilma caberá ao Senado. À Câmara, compete apenas analisar se as acusações podem configurar crime de responsabilidade e se são admissíveis. Em que pesem toda a gritaria contra o “golpe” e os cartazes exibidos na sala da Comissão, o parecer comprova que, sim, elas são. Mas apenas o Senado tem legitimidade para dizer se Dilma cometeu os crimes de que é acusada e, em caso afirmativo, tirá-la da Presidência.
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