Crônica
Marcelino Ribeiro
Era uma sexta-feira do mês de Dezembro, ano 2009; o dia, não
me lembro.
Noite chuvosa, o fervilhar de carros cada vez mais
recrudescia no entorno do aeroporto dos Guararapes, em Recife, capital do frevo
e maracatu. Esperava ansioso o voo da TAM, procedente de Manaus, no qual vinham
minha filha Caroline e o meu neto Nathan Gabriel .
Contava as horas para que a aeronave aterrissasse em solo
recifense, a fim de conhecer o meu primeiro neto.
Como é do meu estilo gosto sempre de estar nos meus compromissos
horas antes do esperado, dessa vez, atrasei-me e não encontrei lugar pra
estacionar o Carro. Apesar de não ser
muito paciente, me pus a procurar, dando inúmeras voltas ao redor do aeroporto,
e aí surge uma vaguinha, daquelas personalizadas, e eu mais que depressa, o coloquei
lá.
Mal desliguei a chave da ignição e quando já ia fechando a
porta do “pé de borracha,” surge um
guarda de trânsito, físico avantajado, barrigudo, tez morena, aparentando uns
50 anos, portando uma tremenda PT 40 do
lado direito da cintura, que me abordou num tom arrogante e de intimidação:
-A sua habilitação, disse o tira. Automaticamente pus a mão
no bolso e a mostrei.
- O senhor não sabe que esse lugar é da imprensa, inclusive
está demarcado, e quem sempre estaciona aqui é o Datena?
-Sim, mas esse lugar é comum a todos que são jornalistas, e
nesse perfil me enquadro, pois também o sou, e mostrei-lhe a minha carteira
profissional, ao que ele retrucou:
-Mas não pode é reservado ao Datena, insistiu.
Pra não alongar o papo com o guarda, que estava se tornando
acirrado, resolvi tirar o carro do local em discussão e não desisti de procurar
outro ponto que pudesse estacionar. Parti pra nova empreitada. E num
revezamento de carros do estacionamento, depois de seguidas voltas no entorno
do aeroporto, achei outra vaga, cuja nome estava demarcado no chão, em letras
vermelhas: Juíz.
Repentinamente coloquei o carro no lugar demarcado; de pronto
veio outro guarda e sapecou:
-Esse lugar é de juiz.
-Sim, e daí, respondi.
Só que dessa vez o guarda não me pediu nenhuma identificação.
Fechei a porta do carro e pensei com meus botões: seja lá o que vier, e subi
mais que celeremente pro saguão do desembarque, afinal era a hora da chegada da
aeronave.
O voo atrasou, e pra compensar as horas de espera resolvi
tomar umas “cevas” na parte de cima do aeroporto e deixar o tempo passar.
Passaram-se quase 3 horas e nada do avião chegar. Nesse ínterim
olho de soslaio e vejo o tal guarda, que já havia terminado o horário de
trabalho e já estava à paisana; quando me avistou, foi logo gritando:
-Tomando uma cervejinha, hein doutor? Ao que retruquei:
- Quer molhar o bico?
-Vou aceitar, tou de folga mesmo. E tome “ceva”.
Lá pelas tantas, chegou o voo qu’eu estava esperando e
encerrando a conta, perguntei:
-Mais alguma coisa, cabo?
-Não, mas tenho uma curiosidade a ser desvendada.
-Qual é? Se puder respondo-lhe, argumentei.
- O senhor é juiz de que mesmo, doutor ?
Retruquei num tom rápido, pois o desembarque já tava terminando,
e precisava dar assistência a minha filha e a meu neto.
-Cabo, sou juiz de briga de galo.
Ele me fitou de cima a baixo, meio desconfiado, como quem diz: esse é mais um picareta que conheci.
Não se conteve, porém, e arrematou:
É, não deixa de ser um juiz, né?
Cumprimentamo-nos com se fôssemos amigos de longas datas e nunca mais nos vimos.
MARCELINO RIBEIRO é jornalista e autor de Um Bacurau do Poder
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