Foi, por ironia, a cobrança da
Caixa de dívidas de R$ 650 milhões relativas à construção do Itaquerão que
desencadeou o pedido de recuperação judicial do grupo Odebrecht – até agora,
maior vítima da Operação Lava Jato entre as empresas que adotaram a corrupção
como modelo de negócio.
O estádio do Corinthians foi
apenas uma das obras que envolveram o pagamento de propinas a políticos e
campanhas, em especial do PT. Foi um negócio fechado pessoalmente pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo patriarca Emílio Odebrecht e pelo
então presidente do clube, o ex-deputado Andrés Sanchez.
A corrupção estava tão entranhada
nos negócios do grupo que a Odebrecht criou até um departamento próprio para
cuidar das propinas, conhecido internamente como Departamento de Operações
Estruturadas. Chegava a pagar US$ 750 milhões de dólares anuais aos corruptos,
por meio de dinheiro lavado das formas mais inusitadas.
Foi só quando a Lava Jato chegou
à secretária encarregada de operar o “software de gestão” das proprinas que os
donos da empresa decidiram, depois de quase dois anos de negativas, fechar um
acordo de delação premiada. As mentiras de Marcelo Odebrecht são hoje parte do
folclore da Lava Jato e da história do Brasil.
Sob o patrocínio dos governos
petistas, a empresa exportou seu modelo de negócios baseado na corrupção para
outros países e continentes. Subornou ditadores africanos e caudilhos latinos.
Hoje enfrenta êmulos da Lava Jato no Peru, Colômbia, Equador e mundo afora.
Jamais conseguiu se impor pela
competência no mercado internacional. Até tentou entrar em países conhecidos
pelo rigor no trato dos investimentos públicos em infra-estrutura, como
Alemanha e Estados Unidos. Não deu muito certo. Sem a propina, seus negócios de
construção civil, plataformas de petróleo, meio ambiente e outras áreas
simplesmente não funcionavam.
Uma exceção no grupo foi a
petroquímica Braskem, sociedade formada com a própria Petrobras, que
desencadeou uma das mais caninas batalhas societárias na história brasileira
recente, encerrada apenas depois que a Lava Jato enfraqueceu a Odebrecht e
permitiu à Petrobras impor seus termos.
Não que não houvesse tramoias na
Braskem, mas elas eram feitas por meio da manipulação de preços – e o o negócio
não dependia das propinas pagas a políticos e executivos da Petrobras. Em abril,
a Braskem fechou enfim um acordo de leniência que impôs multas de R$ 2,8
bilhões, pagas à União e à Petrobras. Cumpridas as exigências da Justiça, a
empresa voltou a ter perspectivas, mesmo combalida.
A Braskem é hoje responsável por
quase 80% das receitas do grupo. É por isso que suas ações foram aceitas como
garantia de empréstimos rolados pelos bancos nos últimos tempos. Ao todo, o
grupo Odebrecht deve R$ 98,5 bilhões no mercado, dos quais R$ 14,5 bilhões
contam com ações da Braskem como garantia.
Do resto, R$ 33 bilhões são
devidos a empresas do próprio grupo, e R$ 51 bilhões estarão sujeitos ao acordo
de recuperação judicial. O maior credor, com R$ 10 bilhões a receber, é o
BNDES. Depois vêm Banco do Brasil (R$ 7,8 bilhões) e Caixa (R$ 5 bilhões,
incluindo dívidas com o FI-FGTS). Ao contrário dos outros dois bancos públicos,
a Caixa não tem ações da Braskem como garantia de nenhuma parcela da dívida.
Desde que a Lava Jato expôs a
verdade sobre a Odebrecht, o grupo entrou numa crise sem paralelo para tentar
salvar seus negócios. Vendeu R$ 7,2 bilhões em ativos, tirou o nome Odebrecht
da marca das empresas, trocou executivos e presidentes, fez campanhas
publicitárias, mas não conseguiu evitar o encolhimento.
O endividamento da empresa era de
US$ 18 bilhões em 2008, antes da aceleração nos governos petistas. Em 2015,
chegou a R$ 110 bilhões. Desde a Lava Jato, caiu para os atuais R$ 98,5
bilhões. Pouco diante do baque nas receitas, que encolheram de R$ 132 bilhões,
em 2015, para cerca R$ 80 bilhões, no ano passado. O número de funcionários
despencou, de 193 mil para os atuais 48 mil.
Só a construtora, outrora maior
negócio do grupo, teve em 2018 prejuízo de R$ 1,7 bilhão, o triplo dos R$ 453
milhões registrados em 2017. Em um ano, as receitas caíram quase 40%, para
pouco mais de R$ 1 bilhão.
A situação da Odebrecht é a maior
evidência de um efeito colateral indesejado da Lava Jato: a devassa no setor de
infra-estrutura e nas áreas da economia que dependem de investimentos pesados e
longos prazos de maturação. São aquelas em que, para os empresários, a
associação criminosa com o Estado sempre funcionou como garantia contra a
expropriação e as intempéries inerentes à política.
A Lava Jato expôs as relações
espúrias, levou boa parte dos envolvidos à cadeia, disseminou pelo país a sanha
moralizadora e conduziu seu maior expoente ao ministério da Justiça. Até agora,
porém, pouco – se algo – fez pelo amadurecimento institucional, nem para
garantir ao empresário a tranquilidade de investir sem precisar entrar no jogo
sujo da corrupção.
O investimento brasileiro em
infra-estrutura ficou pouco abaixo de 1,9% do PIB em 2018 (R$ 127,5 bilhões),
muito pouco diante da necessidade de pelo menos 4,2% (R$ 305 bilhões), de
acordo com dados da consultoria Inter.B. O setor privado ainda responde por
apenas 63% do total, enquanto o ideal seria perto de 90%.
O programa de concessões e
privatizações dos últimos anos atraiu novas empresas. Houve leve crescimento em
relação a 2017 e 2016, anos em que o país perdeu R$ 40 bilhões em
investimentos. Mesmo assim, a previsão da Inter.B para este ano é de
estagnação, pouco menos de R$ 130 bilhões em investimentos, ou 1,8% do PIB.
Para crescermos de modo robusto,
será preciso atrair investimentos de 4% do PIB durante pelo menos duas décadas.
Sem corrupção, claro, mas com garantias aos empresários. É um desafio que,
infelizmente, os heróis da Lava Jato jamais se mostraram capazes de entender.
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