sexta-feira, 24 de março de 2017

JUIZ DE BRIGA DE GALO


Por josé MARCELINO RIBEIRO

Era uma sexta-feira do mês de Dezembro, ano 2009; o dia, não me lembro.
Noite chuvosa, o fervilhar de carros cada vez mais recrudescia no entorno do aeroporto dos Guararapes, em Recife, capital do frevo e maracatu. Esperava ansioso o voo da TAM, procedente de Manaus, no qual vinham minha filha Caroline e o meu neto Nathan Gabriel .
Contavam as horas para que a aeronave aterrissasse em solo recifense, a fim de conhecer o meu primeiro neto.
Como é do meu estilo gosto sempre de estar nos meus compromissos horas antes do esperado, dessa vez, atrasei-me e não encontrei lugar pra estacionar o carro.  Apesar de não ser muito paciente, me pus a procurar, dando inúmeras voltas ao redor do aeroporto, e aí surge uma vaguinha, daquelas personalizadas, e eu mais que depressa, o coloquei lá.
Mal desliguei a chave da ignição e quando já ia fechando a porta do “pé de borracha,” surge um guarda de trânsito, físico avantajado, barrigudo, tez morena, aparentando uns 50 anos, portando uma tremenda PT 40 do lado direito da cintura, que me abordou num tom arrogante e de intimidação:
-A sua habilitação, disse o tira. Automaticamente pus a mão no bolso e a mostrei.
– O senhor não sabe que esse lugar é da imprensa, inclusive está demarcado, e quem sempre estaciona aqui é o Datena?
-Sim, mas esse lugar é comum a todos que são jornalistas, e nesse perfil me enquadro, pois também o sou, e mostrei-lhe a minha carteira profissional, ao que ele retrucou:
-Mas não pode é reservado ao Datena, insistiu.
Pra não alongar o papo com o guarda, que estava se tornando acirrado, resolvi tirar o carro do local em discussão e não desisti de procurar outro ponto que pudesse estacionar. Parti pra nova empreitada. E num revezamento de carros do estacionamento, depois de seguidas voltas no entorno do aeroporto, achei outra vaga, cuja nome estava demarcado no chão, em letras vermelhas: Juíz.
Repentinamente coloquei o carro no lugar demarcado; de pronto veio outro guarda e sapecou:
-Esse lugar é de juiz.
-Sim, e daí, respondi.
Só que dessa vez o guarda não me pediu nenhuma identificação. Fechei a porta do carro e pensei com meus botões: seja lá o que vier, e subi mais que celeremente pro saguão do desembarque, afinal era a hora da chegada da aeronave.
O voo atrasou, e pra compensar as horas de espera resolvi tomar umas “cevas” na parte de cima do aeroporto e deixar o tempo passar.
Passaram-se quase 3 horas e nada do avião chegar. Nesse ínterim olho de soslaio e vejo o tal guarda, que já havia terminado o horário de trabalho e já estava à paisana; quando me avistou, foi logo gritando:
-Tomando uma cervejinha, hein doutor? Ao que retruquei:
– Quer molhar o bico?
-Vou aceitar, tou de folga mesmo. E tome “ceva”.
Lá pelas tantas, chegou o voo qu’eu estava esperando e encerrando a conta, perguntei:
-Mais alguma coisa, cabo?
-Não, mas tenho uma  curiosidade a ser desvendada.
-Qual é? Se puder respondo-lhe, argumentei.
– O senhor é juiz de que mesmo, doutor ?
Retruquei num tom rápido, pois o desembarque  já tava terminando, e precisava dar assistência a minha filha e a meu neto.
-Cabo, sou juiz de briga de galo.
Ele me fitou de cima a baixo, meio desconfiado, como quem diz: esse é mais um picareta que conheci.
Não se conteve, porém, e arrematou:
É, não deixa de ser um juiz, né?
Cumprimentamo-nos com se fôssemos amigos de longas datas e nunca mais nos vimos.


MARCELINO RIBEIRO é jornalista

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