terça-feira, 6 de março de 2012

INESPERADA PAIXÃO


Liége Farias é 
cronista literária


Anos não passavam, corriam. Como correntezas, como corredeiras. A vida de Valma parecia trechos de rio onde as águas correm céleres. A juventude havia passado com um piscar de olhos, restou uma criatura amargurada, abatida, descrente dos homens e do amor vivia a zombar. A coisa já foi bem pior: andou reclusa um bom tempo. Hibernou uma época. Como uma ursa, com o maior prazer! Hibernou para não sair por aí descabelada. Trancou-se para amadurecer as ideias, recolheu-se para não ser alvo dos corvos que 

adoram deliciar-se com os restos em putrefação do sofrimento alheio.
Durante aquele período de recolhimento, agarrou-se aos "Versos íntimos" do poeta fúnebre Augusto dos Anjos:
"Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!"
Valma é uma mulher cheia de sabedoria, nos anos de reclusão fez um chek-up do espírito e do corpo. A vida é uma escola com bulling e tudo. Dentro da família é o lugar que gera as maiores feridas da alma. Os feridos de alma, na maioria das vezes, adquirem suas chagas dentro de casa. Vão descobrir mais tarde nas mãos de um terapeuta que seus algozes, os culpados das suas dificuldades comportamentais, seus dilemas nos relacionamentos, tudo isso, foi adquirido dentro do lar. Lar, doce lar! 
No mundo, existe gente boa, existem pessoas diabólicas também. Peri Ribeiro diz que apareciam "assombrações" na vida frágil da sua mãe, gente que adora provocar outro ser humano que está num momento de fragilidade: seja tentando não beber, no caso do alcoólatra, ou não comer, no caso do obeso em dieta. É aquela pessoa que oferece um drinque ao alcoólatra ou um docinho ao obeso.
Valma , um dia, resolveu sair da caverna. Cansou da vida tão sem sal que estava levando. Tomou um banho de boutique, a melhor da cidade, visitou a dermatologista top da capital e mudou por completo o visual. Síndrome de Fênix! Passou a frequentar palestras, reuniões sociais, arranjou dezenas de cursos, assistia filmes comendo pipoca. Final de semana, pegava um avião e a vida parecia até uma festa. Numa dessas viagens encontrou uma pessoa especial. Sem medo de ser feliz, engatou um namoro pois não estava morta nem nada. Descobriu que estava vivinha, vivinha...Deu a volta por cima. Inesperada paixão!

Crônica

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