terça-feira, 13 de março de 2012

DESGRAÇADO AMOR

Liége Farias é
 cronista literária
Meus olhos viram, ninguém contou-me. Meninos, eu vi!
Vi, uma senhora de 75 anos, cor negra, com apenas um dente na frente, serviços gerais era o seu trabalho, numa Escola Estadual.Era visível o sofrimento instalado naquela criatura, a vida foi muito dura com ela, apesar de tudo, sorriso não faltava em seus lábios.
"Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?" (Cecília Meireles)
Sofia teve vários filhos, criada num seringal, ao limpar a Biblioteca durante anos, narrava nos mínimos detalhes sua vida sofrida em um seringal na Amazônia. Se Glória Perez escutasse aquela narrativa tão pujante, certamente faria uma novela com sucesso Global! Aquilo não foi uma vida, foi uma saga, uma epopéia! Escolha para marido não teve o prazer de ter. Seu patrão, dono do seringal, um temível Coronel de Barranco, deu Sofia como prêmio a um jagunço, que pediu a menina como pagamento por um grande favor prestado ao Coronel. Sem pestanejar, sem titubear, o Coronel deu a menina ao empregado. Deu, como mercadoria barata, deu ao jagunço uma criança de 14 anos para fazer dela sua mulher. As coisas funcionavam desta forma, nos tempos ricos do Amazonas em que a borracha valia milhões, os donos dos seringais compravam a Patente de Coronel, tornavam-se poderosos, soberbos, arrogantes e insensíveis, deitavam e rolavam com seus podres poderes.
Sofia, ainda uma criança, tornou-se mulher de um homem bem mais velho, repulsa, muita repulsa, apenas isso era o que sentia pelo capanga do patrão. Sem saída, ainda lutou para livrar-se daquele cativeiro. Fugiu diversas vezes pela floresta, sem sucesso: o capataz sempre sentia seu faro, voltava, amarrada e humilhada.
Sofia era viúva, sempre traiu o marido. Seu companheiro viveu noventa e poucos anos.
Sofia estava loucamente apaixonada pelo vigia do prédio ao lado da Escola. Um rapaz de 27 anos deixou a pobre mulher de apenas um dente na frente, cardíaca e sem atrativo físico algum, derretida em amores, aquilo era uma idolatria a Eros. Casado, bonitão, tinha idade para ser seu filho e quem sabe, neto. Desgraçado amor! A velhinha estava apaixonada! O amado, pilantrão chamava-se Tedório, carinhosamente chamado de Ted por ela. O sem vergonha do Ted, aproveitou-se da carência afetiva da senhorinha e fazia a festa com o parco salário da funcionária pública. Sugava que nem um potente aspirador de pó, todo o dinheiro da faxineira. Com seu jeitão sedutor de cafajeste, fazia Sofia endividar-se com empréstimos e mais empréstimos. O amor é cego, Sofia espalhava para todos que Ted a amava.
Certa vez, a apaixonada mulher chegou na Biblioteca espumando de ódio, a moça da Cantina acabava de dizer bem alto:
- Sofia, este Ted te engana, ele não te ama, acaba com esta palhaçada, termina este romance, acaba de ilusão!
Debruçou a cabeça sobre a mesa, chorou com soluços fortes e urrou:
- O Ted me ama sim, mentirosa, mentirosa, o Ted é louco por mim, ele já disse que sou a mulher da vida dele.
Sofia nunca deu entrada na aposentadoria por conta deste amor bandido, esse tal de Ted, merecia uma prisão perpétua, cadeira elétrica ou injeção letal.Criminoso nojento!

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